eu e você: amor e desamor

Conhecer você, foi descobrir o amor
em cada gesto seu;
mas entregar-me a você, foi abandono e dor,
em cada sonho meu.

Você era ideal.
Jamais me trairia.
Não me faria mal.
Jamais me deixaria.

Era você, perfeito, para amar e ser amado.
Mas, o nascer, mal-feito, destinara-me um fado.

Fui sua rainha
e no encanto da sua palavra
decidi fazê-lo meu príncipe encantado.
Porque, como rainha,
acaudilharia, sempre, a sua realidade;
e, como príncipe,
seria você, sempre, meu sonho acalentado!

Amei um ser que idealizei e travesti de você.
Ao rolar no leito da paixão,
engalfinhava minha ilusão na sua realidade,
sem perceber a indiscrição e mal-querença...
Rolei e embolei minha alegria e pureza,
na amargura e desconfiança
acorrentadas em seu coração.

De teimar, consegui.
Fi-lo entender meu amor.
Mas, ironia,
assimilei-lhe o desamor.
E, assim, tão de repente,
temi o dia seguinte,
passando a ser cuidadosa
no momento seguinte.

Aos poucos,
desapaixonei-me pelo amor...
Enxerguei e ouvi a realidade.

O som da voz que vociferava
minha insuficiência,
calou-se...
Eu a calei.
E tudo aquilo que parecia
verdade incontestável,
passou a ser mentira.

De doce, fui mordaz.
De pura, despertei o ímpio.
Aceitei a maldade,
como algo humano.
Fui improficiente
diante da inverdade.

Existem mentiras inocentes
para quem jamais mentiu
nem grande, nem pequeno?

Reconheço, agora,
pequei pela verdade.
Seu mundo real,
doloroso,
clamava, irreal,
pelo sonho mentiroso.

Mas, nos amamos tanto!
Minha limpidez
foi o átrio da mentira
que você precisava encontrar.
Sua realidade
foi tudo aquilo
que sempre me neguei a ver
e que se apôs a mim,
através do meu próprio amor.

Lastimavelmente, para nós dois,
ao tornarmo-nos mestres e discípulos um do outro,
ensinei-o, enfim, a amar,
e, de você, assimilei
a desconfiança e o desamor.

Na ânsia imaculada de ter você e seu amor,
eu os perdi aos dois.
E, agora, sinto falta do amor e falta de você.

Assim,
para aplacar a imensa frustração
de não conseguir a sintonia de você,
abraço-me aos prazeres incontroláveis
de orgasmos intelectuais,
quando, na realidade,
meu desejo
permanece adormecido
na paixão daquele amor defeituoso.

Sílvia Mota.
Rio de Janeiro, 12 maio 1996 - 14:40hs.

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